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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A VIRTUDE DO OPRESSOR

A Virtude do Opressor

1. Funções
Eu queria muito estar entre as funções do amanhecer. Chamo de função tudo que não é aceitável compreender, depois que as esferas da noite, suspeitas nos seus obscuros néons, emudecem as sensações equivocadas referentes à claridade; chamo de função o campo impetuoso, invisível, que a investigação sobre o amor tonteia; chamo de função trazer à tona o ilustre equilíbrio da causa após os conflitos garantidos pela ausência de poemas, revolvendo a febre da caça numa energia vã. Eu queria, mesmo, estar entre as funções do amanhecer, e ali ficar, até que me retirassem as vendas, as mordaças, as amarras... Assim, eu desceria do cadafalso perjurando a infelicidade de ter vivido a opressão oclusa em memória desgarrada de mim, esperaria entender porque dentre todas as malícias, não tive nenhuma que me colocasse novamente no meio do povo. Talvez o arrependimento da sonoterapia submetida pelo horror, fizesse berrar a inocência e aclarasse o idiota que fui quando achei que sabia tudo. Falei do amor e não me contive, sei lá o que é isso. Falei da luz, ainda no escuro, nem sei o que pensar. A impressão que tenho, é que nunca estive de verdade na hora da manhã renovadora, uma vez que segui aglomerado pela passagem privada e inalterada, como um animal de olhos úmidos que só tem à sua frente a visão do rabo do seguinte. Eu queria as funções do amanhecer. Queria ser. Quem sabe eu berrasse assim, e me encantasse de fato com a palavra viver.
Canção 1 – “Já vou indo”
Eu já vou indo meu bem, me dá esse abraço:
Que é pra eu não levar, saudade,
Sei que durante a manhã, a cerveja te adula...
Mas vou-me, sei lá, esqueço a cidade, esqueço a verdade,
Do beijo marcado e vou
Já que eu sou poeta e tenho uma lágrima bebida na boca, me custo pra ir.
Se pudesse, te feria dentro, assim, baioneta afiada com esse meu desespero de ter que ir que ir,
Lamento muito tanta janta esfriada, tantos meninos que não adotamos,
Porém, não há culpa minha, nem de alguém é melhor dizer,
Porque depois disso, sei não se a saudade, será pra sentir ou desejar.
Sou poeta, apenas sou poeta, quem sabe você, que viveu a demência, sossegou na doença, das rimas tão pobres que eu não soube fazer, adeus.
Já vou indo meu bem, me dá esse abraço, que é pra não levar saudade...

1-2 VEM...

Não tenha medo, ainda, criatura. Regozije-se com a oportunidade de sair do quadro. Não se canse, agora. Não se perca, agora. Eu tenho mil palavras para dizer, uma delas pode significar tudo o que mais deseja. Venham comigo, venham... (Pára de repente) Não, não façam isso, dêem as mãos, dêem as mãos todos vocês. (Crescendo) Dêem as mãos para que ninguém passe a frente de ninguém... Sorriam, sorriam para trabalhar os músculos da face, sorriam. (TOCANDO OS ROSTOS DAS PESSOAS) lindo, lindo, como seu sorriso é lindo. Como seus lábios são belos. Como seus olhos... (Pára) Eu me vejo neles, distorcido... Oprimido. Vem...
Leva poema engraçado
Pro sono enternecê
A mulé contando causo
Pro seu home adormecê
Chega de lenga, lenga
Mulé eu tenho à venda
Uma saia de tricô
E um paletó de dotô
Com riscos formando xadrezes
Rabiscos de muita cor
Leva poema engraçado
Pro sono enternecê
A mulé contando causo
Pro seu home adormecê
Mulé, eu tenho veneno
No pote de mel, nesse espaço
Entre o imbigo e o céu, debaixo do coberto
Mulé, só num tenho vaidade
Pra ti desejo cantorias, não me vale sua idade
Se ocê tem vinte ano, tenho aqui pra ti vendê
Um creme pra ruga não te amolá
Mas se já passa dos trinta
Eu compro seu corpo inchado
Pra outro podê revendê
Quem compra a expiriênça
Leva mais do que prazê
Leva poema engraçado
Pro sono enternecê
A mulé contando causo
Pro seu home adormecê
2. Pureza

Fui descoberto, eu sei. Entrego-me! Denegrido da imagem inicial, espero confundir o traidor. Explico: todo homem quando menino tem no rosto a farta rotina da inocência e a inquebrantável suspeita da malícia. Entretanto o homem cresce, engana a si como se enganasse o general, está perdido: ninguém passa despercebido pela acusação do traidor. E pensar que a traição teve rosto de menino. Provavelmente até brincou de bola atrás ao meu lado ou ao seu, tanto faz quando se descobre que agora ele é quem manda. Não confiem na pureza das crianças, elas são dissimuladas, inconseqüentes e já nascem prontas. Prontas para pecado, para a marginalidade, para a dor... Ou para a devoção, patrão, conquistador.
Há um sem fim de gente possuindo tudo, mas bem poucos os que não querem muito. Não, não confundo o traidor, porque ele sabe que a minha cara de pureza é sua maior aliada. Deposto pode ser, mas o próximo fará outra vez. Fará. Melhor pra mim, continuarei discursando, pois nasci inocente, de uma pureza desigual, quase um anjo.
Canção 2 – “Mane”

Qual o teu sobrenome - Tu tens família, ô Mané?
Tua cara de cigano - Teu gingado de ralé.
Se te deram algum nome - Esquecestes dou certeza
Bato martelo e dou fé
Tu tens cheiro deslavado - De rua, esmola e balé,
Dançando na cela apinhada - De casca grossa no pé
Ai, brasileiro, mais um - Que não é e diz que é !
Tem nome de vagabundo - Sujeito sem verbo, imundo
O que te falta, Mane - É conhecer o teu mundo
Pra juntar com outros nomes - A força do inusitado
Criar vergonha na cara - Endireitar o safado
Quem acha que nada vale - É imbecil, ta travado
Sozinho, és cão na coleira - Juntado és voz e verdade
Sai dessa história, ô Mane - Faz cumprir a liberdade
Eu já tentei, estava só - Escuta o que fui, já passou
Virei sombra, virei pó - Mas, tu, soberano Mane
Desate esse grande nó

3. Apesar

Apesar do peso da lágrima, que jurou não rolar de meus olhos e ainda desejar cintilar de encontro a um raio de sol; apesar da descrença em que vivia minha flor, prometeu-me perfume eterno, mas secou, apresentando de volta o herege crédulo que sempre quis ser; apesar da conquista revertida em absolvição, apesar de todos os sonhos malabaristas sentidos orgânicos na consagração da alma quando se perdura o tempo entorpecido; apesar do oxigênio irrespirável, incalculável conspurcação, passado a limpo numa vesícula oca; apesar do corpo mole e decrépito, apesar do homem e da amnésia, fui feliz durante o parto.
E isso durou alguns segundos.

Canção 3 – “Lento”
Estava lendo Marx, a teoria puxou do revólver quadrado. Se fez absurdo o contrato, e numa bandeira pichou. Uma balança dourada, com tiros silenciadores
Não apaga, não há nenhuma borracha
Vaguei nas pinturas de muros, enquanto o quintal era grande
Ouvi pelo rádio ditames que o burro lutou em tatames
Com a égua do salvador e todos os retirantes
Portinari como avô de tintas num corredor. A morte do livro sagrado, por unhas de bruxos malvados
A tela regurgitada por vacas benzidas, tumor; De gente indo atrás daquilo que acreditou. Estava lendo um discurso de um velho imperador, Mas o que via na foto era a cara do executor. E nas memórias do fato ali a face de Che
Não entendia o que era, nem podia, eram miragens.
Ao fim do dia fui deitar na manjedoura, A ver se os reis traziam alguma novidade
Uma cruz feita de espelho, que refletisse o desleixo
Do nada que segue em frente, sem luta, sem caminhada.
Sem prumo, nem igualdade. Sem alento, lento, lento
Peregrino, humanidade.
4 A OPRESSÃO DO AMOR

Te amo, entretanto há um silêncio macabro entre os nossos dedos.
Ainda sei que amo... o sentimento vermelho, cego, que enxerga no escuro da posse. Você sabe...
Quantas vezes me bateu no rosto e me julgou traidor. Você sabe...
Sei! Era o medo de perder tornando meu ciúme carrasco de nós, o terror de viver sem.
Eu sei, também era assim comigo. E agora...
E agora?
E agora ainda é assim. Para chegar lá, o homem e seu caminho, em caminho indo por senso tamanho, o tal do homem indo, vem, farto e chato
Como um vírus mínimo que não tem olfato. O tolo ser caminha, para ser destino. De chegada, onde? Onde se quer ou se pode? Onde se esteve, doente, onde se esteve contente, onde se esteve insano, lugar de qualquer humano. Abismo de vírus e estrada, aonde se quer chegar?
Eu preciso de silêncio. Um pouco de silêncio, por favor. Em qual torno se esculpi o sonho do homem? Há de vir resíduos, há de vir lamentos, há de ser tão novo, que o Criador se espante e diga numa canção: “não me vejo nele e no outro, São modernos demais pra mim e, menores do que supus que a criatura fosse ficar. No entanto, quantos prantos, soletram os olhos do ente novo, ah! Nele não posso ver-Me, “Nem mirar ou admirar, porque se assemelha ao que nunca quis ao homem ofertar”.
Isso é puro poema, sem nexo, sem explicar o que temos um com o outro.
Eu amo.
Ama?
Você ama? Tenho que deixar você ir, não posso oprimir.
A nossa opressão pode nos unir ainda uma vez. Acho que te amo.
Também acho que amo.
Muito?
Nada. E ao mesmo tempo, tanto e tudo. Vamos nos deixar?
(silêncio. Beijo) MÚSICA. O VENTO VARRE FOLHAS E FLORES EM TODA A CENA.



CENA VIRTUDE ÚNICA
Você me oprime como as montanhas. Altas e sonhadoras, idealizam os céus ou as planícies, conforme o bel prazer de sua história. Você me oprime tanto: tato, olfato, audição, paladar, visão. Eu gosto de me ver dentro de seus olhos. É uma imagem distorcida. Você me oprime como as Bahamas, como barcos desaparecidos, como ilhas submersas, como espermatozóides desperdiçados. Em seus olhos eu me vejo pequeno. Me oprime. Me oprime. Longe estará a causa de sua alma, não aparecendo imediatamente quando reflito entre as pequenas veias de seus olhos. Você me oprime, não a ponto de lhe dizer essa verdade: você me oprime porque te oprimiram, me atinge porque te atingiram, essa é uma vitória inquestionável. Um circulo, um mundo, uma laranja, um umbigo. A bola que não tem parada, contínua, girando tão rapidamente que uns passam à frente do outro e tomam posição primeiro. O segundo sempre será oprimido, como eu agora. Você me oprime porque não entende logo de saída as minhas palavras. E sabe por quê? Porque aí, escondido atrás dessa cortina de retina, há um cérebro em dificuldade, uma vastidão de perguntas e respostas pré-fabricadas, uma tempestade que ecoa: quem sou eu, quem sou eu, quem sou eu... eu sei, aqui (aponta a cabeça) também tenho um turbilhão. Você me oprime e eu, generosamente, oprimo você. É a virtude. Única virtude. Esmerada virtude.
Você me oprime. Você: me oprime? Você. Me oprime! Você... me... oprime...”
Leva poema engraçado
Pro sono enternecê
A mulé contando causo
Pro seu home adormecê
4. Varejo
Assim, de varejo em varejo, estabelece-se o mal humor.
Todos, sem exceção, sabem exatamente como o mundo é. Mas a grande merda, a despeito de dizerem que somos todos irmãos, é que cada cabeça tem uma bússola diferente.
Eu vou pro sul e você pro leste.
Desse modo, esse meu depoimento está cenicamente bordado em pedrarias caríssimas, conforme o conceito de uns.
E provavelmente artesanal e reciclável para outros. Mas o que se há de fazer: merda é merda em qualquer circunstância.
Algumas somem via privadas devidamente desinfetadas,
outras se depositam em qualquer canto errôneo da terra, e se decompõem. O meu depoimento só pode gerar mal humor. O que é que se pode esperar, quando vejo minha arte decapitada, irresoluta e generalizada?
Ou as pessoas acham, que se constrói uma opinião do dia pra noite? Não, leva tempo, às vezes muitas vidas.
E o terrível é quando se chega até aqui, e se descobre que a maior importância no mundo pras pessoas é o que está escondido sob a roupa cara e com prazo de validade, ou seja, a pele nua e a mediocridade.
Eu sou opressor, veja bem, opressor. Mas muito oprimido, contudo. Apenas, alguns seguem para oeste e outros procuram o norte.
Sou um broche simbolista, ativista de causas pessimistas, otimista referindo-me ao tema central, que não é nenhum ou são vários, reservado em direitos pela sedução do ter, enigmaticamente forço-me o tempo todo por reverter esses delírios, todavia estou vestido com tesouros encontrados por aí, por ali, por lá adiante. E isso, me faz um igual, tão sem saber quanto tantos. Procuro a virtude, mas não sei encontrá-la de graça, não vim ser santo, mas queria.
Mentira quem diz que querer é poder, nem sempre quando quero tenho confiança, e quando sou poderoso não tenho mais o que buscar, nem acreditam em mim. Mas não crêem mesmo quando sou, porque me apontam como falsário. Se vou a igreja me condenam, se não vou me emporcalham. Se sou justo, encontram uma maneira de sobrepujar a justiça. Se injusto, ironizam.
É o que digo: um opressor, oprimido, gado desgarrado, onça presa em jaula, pássaro sem bico, teatro sem palco, fome sem estômago, criança sem útero, homem de coração que não sabe mais sentir, nem com a razão eu penso, nem em cativeiros fico preso, nem meus olhos servem pra ver... Que pessoa eu sou, se não posso contar com as outras?
A qual marginalidade estão se dirigindo e o que é marginal, se não compreendo porque o homem é menos homem quando visto por um deles do alto; se a regra serve somente para enfeitar os desejos de quem as faz; de qual lado devo ficar, do irmão de raça pura ou do outro que é mistura, do bem, do mal, da fissura? Quem vai poder me aplaudir, se não sou compromissado com o entretenimento e o equívoco banal? Eu não quero palmas falsas, nem moeda segura nos dedos, que por mais dedos que passaram, que até foram roubadas e de troco foram dadas, eu não quero se não for pra sair de alma limpa e restaurar com meu sono a esperança de um dia morrer
de vez.
Canção (blues)
E o gato miou
O cão se fartou
O rato compôs
A canção para Deus
E Deus suscitou
Ao anjo maldito
A reza sem fé
Cadê, minha prima
A mãe que me amou?
Que Deus era Ele
Quando castigou
E o rato miou
O cão recompôs
O gato fartou
E a reza maldita
Ao Deus sem fé
O anjo suscitou
Cadê, minha mãe
A prima que me amou
Que castigo era quando
Ele Deus
Me deixou !





‘5 . EPÍLOGO DA OPRESSORA
(Ator se transformando em Constantina)

Agora, atendendo a inúmeros pedidos deixarei uma música tocando enquanto realizo uma pequena transformação pessoal; apenas porque devo atender os pedidos de meus fãs ardorosos. Não vou sair de cena, para que não pensem que houve troca de ator ou fui à busca de algum truque desses utilizados por amadores mesquinhos que buscam somente a realização pessoal numa vaidade incrível de artimanhas pouco ortodoxas. Na verdade, nem sei são capazes de entender o que estou tentando dizer, mas de qualquer maneira isso só vale a pena ser compreendido se todos os envolvidos alcançaram o raciocínio do nosso humilde espetáculo... (Ao músico) Toque! (Ao público) não demoro muito pra trocar de roupa e fazer a maquiagem, não se preocupem. O figurinista optou por esse tecido estampando elucubrando que ISTO explicaria simbolicamente a alma, a composição da personagem em questão. Eu, achando que poderia auxiliar, dei uns palpites do tipo: e se a gente optasse por não vestir e ficássemos com a verdade interior? Soou como uma bomba. O referido figurinista berrou, chorou, teve um ataque de dança do ventre misturado com sapateado espanhol. O diretor, meu amigo e confidente, botou panos quentes e eu, enfim, obedeci às exigências. Na verdade era só uma idéia para ser discutida, acabou sendo imposta. Já me habituei, nesta cena final, a vestir a personagem, literalmente. O que estão vendo aqui, nascendo a olhos nus, era inicialmente Conchetta. Ficamos sabendo que Conchettas havia aos montes por aí; na TV nem se fala, era quase uma invasão e para nós, sem fama e glória restaria a critica de plagiadores. Então, Conchetta virou Constantina. (Já quase pronto) O opressor também pode estar presente nas mães, nessas mães aí comuns, do dia a dia, que julgam fazer um ótimo trabalho com a educação de seus filhos. As mais econômicas são as turcas narigudas, as inglesas castradoras, as russas medrosas, as francesas permissivas, as alemãs loiras, as brasileiras mixagenadas, as africanas descalças, as portuguesas de Portugal, enfim, quase todas as mães são objeto de estudos intensos por psicólogos e psiquiatras e sociólogos e geólogos de todo mundo. Mas eu conheço uma que de tão doce e crente no melhor pra seus filhos, é a mais castradora de todas as mães, ou pelo menos, foi. Ela é o que podemos chamar de virtuosa. Italiana, radicada no Brasil, onde se enraízam toda espécie de fauna e flora humana da terra. (Ao músico) Ok, pode parar de tocar agora e dê o tom para Constantina. (Mutação) Má que? Que que tá pensando você? Que io nasci assim gordona, sardável? Vá, vá... são tudo tan tan, isso que oces são... Fiquei desse tamanho por causa da minha história cheia de pobrema e poca felicidade, isso que é. Má que é de gosto regalo da vida, né memo? Eu sou uma patsa, energumena ... e to falando dos meus fio. Cada um tomo seu rumo e me dexo aqui prantada como uma bananera que já deu cacho. Eu me criei os menino com as pasta de melho qualidade. E os fia da puta fora ficando grande, arranjando suas cosa pra faze e me deram um pe na bunda, foi o que fizero. O mais vechio, O Fernandinho me arranjo um traste de uma cadelona e me foi embora pra nem sei donde. Queria se vê livre da mama, ele disse, na minha cara, eu to de picuá cheio da senhora, mama, a senhora só que mandá, mandá... Io? Uma mama simplória, amável, uma santa... que deu o sangue pra cada um deles e recebi em troca um bom adio, bella. Depois foi a vez do Geronimo, aquele ingrato, deu as descurpa de que ia estudá na Itália porque podia tirar recibo de cidadão por seu fio de italiana. Me usou, quelo ingrato, até na hora de me abandoná. Má que coisa, outro que não soube dá valor aos suor da minha testa. O terceiro, o Benedetto, se enfiou nesses troço de televisão, sabe esses menino que pega os cabo e fica correndo atrás de cá pra lá... (rindo) Uma vez vi a dona Ana Maria pegando o coitado do Benedetto segurando os cabo da firmadora, ela se ria como uma loca. Esse pelo meno as vez eu vejo pela televisão. Trabaia na Grobo, poverelo. Segurando os cabo. Má que vidinha medíocre eles me escoeiram. Depois de tanta massa e porpeta. E não foi por farta de educação, que io peguei nos pés deles, viu? Peguei memo. Fiz ir pra escola, arrumava eles tudo de camisinha branquinha, shortinho azule, má que lindos que eles era. O mio quarto fio, aquele sim, escolheu o melhor destino. (canta)
Ai, madona mia, que espeto o fim da vida
Ai, madona mia, me manda aqui, uma sanfona
Ai, madona mia, quero cantar toda minha tristeza
Ai, toca os baixo, faz uma baruio pra eu cantá
(fim da cancioneta)
Io cantava anssim pro Luige, meu pequeno Luige... ele sorria com aquela cara de monstro. Ele nasceu anssim, poverelo, de tanto que o pai dele me encheu de porrada quando ele tava aqui na minha barriga. Antonello bebia um vinho que Dio me livre, nossa senhora, madona. Bebia feito em condenado. E me batia. Assim do nada. Me batia. E eu, gravidona do rapazinho. Eu ficava de noite, gemendo nos cantos e rezava pra ele: fio meu do meu coração, não liga pra tio padre, non. Ele no fundo é um homem bono. E ficava firme, ali, nos canto, até amanhecer e chegar a hora de passar o café pro vechio ir pro trabaio. E quem disse que ele tomava café? Tomava era dois os três copo de vinho, logo de manhã, enchia a cara logo de manhã. Então eu dava uns safanão nos menino pra eles acordar. Vai seus molegão, hora de ir pra escola, Geronimo, acorda Benedetto, enfia as carça Fernandinho... e ai daquele que não me obedecia eu lascava o cinto, até criar uns vergão desse tamanho nas perna. Eco! Io nunca bati nas barriga ou nas costa, era só nas perna. Má eu dava com vontade, viu? Era cada vergão assim. Hoje io sei que eu descontava nos fio os tapa que eu levava do pai. Que dó que me tenho, uma paixão, Dio mio. As vez eu converso aqui cós meu botão: será que ele foro embora por causa das cintada? No sei, no sei de nada. Me lembro do dia que Luige nasceu, tão fraquinho, suzinho comigo aqui, eu baxei as carça, sentada no sofá e ele nasceu. Fiquei um dia intero sentada, escorrendo vida pelas minhas perna, sem corage pra levantar e cortar o cordão do menino. Parecia que io ia morrer se cortasse o cordão, io e o pequeno que precisava de sua mama. Era um bebezinho fraco, magrinho, non movia as mão, respirava com dificurdade... Antonello veio de tarde, caindo de bebido, olhou pra noi duo sentado no sofá e falou: vai arruma a minha janta, égua vechia. Nem viu o nostro fio no meu colo. A dona Olga veio cortar os cordão do menino... ele viveu ainda muitos ano comigo. Era só meu, o poverelo.
(canta) Ai, madona mia, que espeto o fim da vida
Ai, madona mia, me manda aqui, uma sanfona
Ai, madona mia, quero cantar toda minha tristeza
Ai, toca os baixo, faz uma baruio pra eu cantá
Um dia, Antonello pegou uma troxa de roupa e falou que ia morar com outra muié, mais carma, mais nova e que io me virasse como podia. Depois foram os fio embora. E por urtimo, me foi o Luige... numa noite, io tava amassando pão e ouvi: mama! Io me virei os oios pra drento da casa e depois olhei pra cima, pedindo que Dio continuasse carregando meu fio nos braço, e vortei pra massa. Vortei pra massa.
Será que non fui uma bona mama? Hum? Não devo ter sido, porque me deixaram suzinha, não é? Io me lembro da minha Itália, minha mama era caladona, o papa nunca me fez um carinho... quando viemo pro Brasir, io... Non, non quero me ficá lembrando. Vão embora, per favore, antes que io começo chorar. Non quero que ninguém tenha dó de mim. Io non mereço.

Ademir Esteves
Junho 2006

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