Seguidores

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ms

MULHERES DA SILVA
Ademir Esteves

MULHER 1
MULHER 2
MULHER 3

I

Trabalham e cantam:

Cumu ié que us boi virô carcaiça
Na bera do ril seim douno
Ais entrainha faiz tepestade
Quaise que vô cum iês

Tomem sô rés de paisto
Seim caipim pra se cumê
Sô que nem u’a cavera
Feta prai se’ndurecê

Fragelo, seca e sede
Ais dô dói mais em arma
Dento do meu coração
Moira um Deus cravano farpa
M 1 – Deisse jeto no se vévi... apanha dos traipos, inpega das mão dos pequeno e vom‘bora pro Sum Pôlo a vê se se ajeitcha a foime, ias disgraicia.
M 2 – Mainha se vem mais nóis?
M 1 – Tu vice môs  óio? Vai-se aléim de mutcho teimpo ai ‘speança... Mainha nô. Mainha fica, eisperano mote cum se’spera vida.
M 3 – E se os homes se vorta? Que é deles e de mais nóis?
M 2 -  Esperainça de macho vim de reto, mulé? Dá de cumê pra minino cum bairriga de véme, prantá preda pra coiê preda? Ó, xente... Mainha no demora se mistura co’as rachadura do chã. E nóis, mulé? Cadê de nóis neisse mundimeudeu? Os homê só prenharo nóis, nonosdeu mai nada que fio e medo. Te avia que é chegada nossa hora de se ir.
M 3 – Se vai levá as cria...?
M 2 – (dura) os que inda no morreu de lida ou de foume, se morre no meio da estraida. Que se fique aiqui meimo pra dar pó ao pó de que foi feitcho.
M 1 – enquano eu tê fourça, répadura de cana não se vá faitá ai eies. Timbora  pra lá, donde o cé é neigro, más se véve anté o fim.
cantam:
Cumu ié que us boi virô carcaiça
Na bera do ril seim douno
Ais entrainha faiz tepestade
Quaise que vô cum iês

Tomem sô rés de paisto
Seim caipim pra se cumê
Sô que nem u’a cavera
Feta prai se’ndurecê

Fragelo, seca e sede
Ais dô dói mais em arma
Dento do meu coração
Moira um Deus cravano farpa

II
APENAS MULHER 1 CONTINUA EM CENA, CANTANDO. CONFORME CARPI, ALGUNS BONECOS DE PANO VÃO SUBINDO DO SOLO. ELA ACABA SENTADA, RODEADA PELOS “NETOS – BONECOS”.

TROCA DE LUZ.

NO ALTO SURGEM OS DOIS ANJOS.

M 2 – (IRÔNIA E INVEJA PREDOMINAM NA PERSONAGEM) Não teve como interromper essa idéia da partida?
M 3 – eu tentei com todas as forças, impeli meus pequenos poderes, elevei mil vezes o pensamento, todavia...
M 2 – acha mesmo que é a melhor entre nós, não é? Furo meus olhos quando conseguir impedir um deles de cometerem deslizes.
M 3 – Não posso intervir na vontade própria.
M 2 – o que não pode é continuar fracassando nas missões delegadas a ti.
M 3 – certamente a sorte está ao seu lado; com essa tamanha confiança seria melhor deixar minhas missões ao seu dispor.
M 2 – (sorri. Desdém) os anjos não devem brigar.
M 3 – é certo. Não nos dão espadas contra a vaidade e a opulência de alguns de nós.
M 2 – palavras! (olhando para baixo) agora não dá mais. Estão passando pela linha... É o limite de nossa anjisprudência.
M 3 – (orando) peço, senhor Coisinho, ilumine os anjos de do outro lado da linha para que eles consigam trazê-las de volta... não permita que a marca de suas decisões pessoais as levem para o sacrifício, um sacrifício muito maior que o de ter estado aqui.
M 2 – Isto: reza anja, reza muito... Sua oração é a fuga da competência que te falta. Esse seu Coisinho descansou no sétimo dia, minha filha... E deixou tudo por nossa conta.
M 3 – por que você não cala a boca, miserável? (distante) Um anjo se sente covarde diante do inevitável.
M 2 - (olhando) já tão longe. Melhor receber a alma dos que morreram pela manhã.


III

M 1 – Nome?
M 2 – Da Silva, sim senhora.
M 1 – Procedência?
M 2 – (em silêncio, olhos perdidos)
M 1 – De onde você vem?
M 2 – De longe...
M 1 – como soube do emprego?
M 2 – sabia, não. Dona Vera que me trazeu...
M 1 – a da agência?
M 2 – nu sei o sobrenome dela, não.
M 1 – você é muito xucra.
M 2 – agradecida. (tempo) isso é bom pra senhora me dá os trabalho?
M 1 – ainda não terminei
M 2 – adisculpe.
M 1 – qual sua idade?
M 2 – vite e dos...
M 1 – te dava 40.
M 2 – amargô, dona
M 1 – tem marido?
M 2 – se assumiu no mundo
M 1 – filhos?
M 2 – seis vivo, dois morto
M 1 – estão aqui com você?
M 2 – não, sim senhora
M 1 – não ou sim?
M 2 – ficaro lá
M 1 – deixou seus filhos pra trás?
M 2 – eu amo eles
M 1 – não foi essa pergunta que te fiz
M 2 – meus fios são tudo pra eu
M 1 – mas abandonou os seis?
M 2 – vim pra dá meiora pra eles
M 1 – trabalhando como empregada doméstica?
M 2 – hei de começar por algum lado
M 1 – cadê seus sapatos?
M 2 – tenho não
M 1 – deixa ver seus dentes?
M 2 – como?
M 1 – deve estar cheia de cáries
M 2 – como?
M 1 – abre a boca, Mulher
M 2 – como uma jumenta?
M 1 – (riso) uma jumenta...
M 2 – a senhora ajuda mais eu e eu me conserto poco a poco.
M 1 – esta não é uma casa de caridades
M 2 – careço de esmola, não senhora
M 1 – você deve ta cheia de doenças
M 2 – eu agüento trabaiá
M 1 – você tem cara de fome
M 2 – como é cara de fome?
M 1 – sem expressão, degradante, dá dó!
M 2 – dó?
M 1 – por que deixou seus filhos?
M 2 – eu não deixei, não senhora.
M 1 – posso aceitar tudo, mas uma mãe desnaturada, ah!
M 2 – vim buscar o futuro deles
M 1 – vão morrer antes de qualquer futuro, mulher
M 2 – me dê o trabaio, por amor do Senhor Cristo
M 1 – preciso falar com Austéro
M 2 – como?
M 1 – meu marido.
M 2 – faço tudo dereitinho
M 1 – não sei!
M 2 – ajuda
M 1 – ai, essa história dos filhos
M 2 – deixa meus meninos quetos lá no lugar deles
M 1 – isso é um horror
M 2 – mandá abrir a boca não é?
M 1 – é uma questão de higiene básica, oras
M 2 – a senhora sarva minha alma, um dia eu pego os meninos de vorta
M 1 – não vai dar tempo
M 2 – como?
M 1 – não vai dar tempo, eles vão morrer antes disso
M 2 – não vai, não
M 1 – morrem, e você não vai sentir remorço
M 2 – eu amo meus fios
M 1 – ama nada
M 2 – amo
M 1 – ama nada
M 2 – são meus
M 1 – são da morte, isso sim
M 2 – mentira
M 1 – (olhando-a) você tem o aspecto das bruxas
M 2 – eles vai se orgulhá de eu
M 1 – O que?
M 2 – os menino
M 1 – não compreende, uma mãe morre por seus filhos
M 2 – já morri, dona, mai memo morta vou trazer eles pra eu
M 1 – se já não morreram
M 2 - ajuda
M 1 – não sei, não quero
M 2 – por Deu!
M 1 – Deus está vendo sua crueldade
M 2 – como?
M 1 – abandonou os fi...
M 2 – não foi
M 1 – abandonou, e eu como mãe não consigo admitir...
M 2 – a senhora nunca teve fome, sede?....
M 1 – eles vão morrer
M 2 – a sede da gente seca o coração e a terra nem de saliva se alimenta....
M 1 – eles vão morrer
M 2 – e a terra nem de saliva se alimenta....
M 1 – eles vão morrer
M 2 – dona....
M 1 –vão morrer
M 2 – dona....
M 1 –vão morrer
M 2 – dona....
M 1 –vão morrer
M 2 – dona....
M 1 –vão morrer
M 2 – dona....
M 1 –vão morrer
M 2 – dona....
M 1 –vão morrer
M 2 – dona....
M 1 – eles vão morrer
M 2 – (num grito) antes eles do que eu!
M1 – (tira um papel do seio) isso é o que eu posso fazer por você!

IV

M 3 – Putana de La Vaca! (risada forte e rouca, entra o tango)
         Aqui se maltrata a carne, se rasga o tédio e saciamos o clero, o bastardo, o bandido, o grande... e o pequeno. Por todos os lados... eu cato, eu trato, engulo. Cheiro de mulher acumulando odores. Aqui se maltrata a carne, se lambuza homem e mulher, velho e moço, bêbado e... indecisos. Aqui se dança de quatro, se cai de boca e se enverga a tragédia de todas as histórias. Uma lindas, de comover o coração e a alma, outras, falsas como promessas de políticos.  Tem os que marcam ponto, todas as noites, já viraram amantes e pagantes, dormem com a cabeça enfiada entre nossas pernas e acordam achando que são amados, desejados e únicos. Quando se vende quimeras, meus caros, é preciso ser inventiva. Eu sou mentirosa. Engano e iludo. Sempre! Porque aqui se maltrata a carne, se rasga o tédio... só não se pode pensar na alma, nos castigos de Deus... assim o pecado fica sem julgamento. Nada melhor do que champanhe pra esquecer a alma. Não temos champanhe, isso aqui é raridade. Mas eu coloco açúcar na cachaça e misturo com sal de fruta Eno pra fazer bolinhas. (rindo) As vadias estão por aí, senhores, abocanhem. Tirem seus peitos pra fora, escolham o seu martírio, matem sua fome de perversidade. (mudando para uma triste ausência)  Hoje eu não posso ser escolhida, é meu dia de dançar a noite toda. Antes de subir no palco, eu vomitei. Acho que meu estômago ta doente, não sei, eu penso que sim. Há cinco anos não vou ao médico. Eu tomo chá de boldo. Eu tomo muita água da torneira. Mas não como, porque vomito tudo. Sempre tive nojo de... de... (o tango ataca novamente, ela fica em silêncio, com as lágrimas caindo)
M 2 – a senhora podia me falar se a dona da casa está?
M 3 – a dona? A dona viaja... (ri) sou a gerente; o que manda?
M 2 – tenho um bilhete pra me  fazer o favor de empregar mais eu de faxina.
M 3 – (pega o bilhete, com desdém) Faxina? Sei... a indicação é boa...
M 2 – no tenho medo do pesado, no senhora. Pode me colocar na lida?
M 3 - você conhece a Fichinha?
M 2 – no sei escrever, não senhora...
M 3 – (gargalha) tô falando da Fichinha do Chico Buarque... Você parece com ela.
M 2 – Chico?
M 3 – é, é, minha  filha... esquece.
M 2 – eu esqueço, sim senhora.
M 3 – ta precisando dá uma mudada no visual, botar um rouge na cara...
M 2 – minha irmã se perdeu de eu... a senhora sabe onde ela ta?
M 3 – acho que tenho um vestido pra você...
M 2 – esse ta feio?
M 3 – horrível, estragado, puído como você... vai ser difícil arranjar cliente sem uma repaginada boa.
M 2– ela tem os cabelo curto, minha irmã...
M 3 – você come muito?
M 2 – nada...
M 3 – você ta inchada, né?
M 2 – eu tô?
M 3 – se estiver doente, não contratamos...
M 2 – coisa pouca, dona, dor nas pernas, mas agüento.
M 3 – aqui tem serviço pra noite e dia. Você paga aluguel do quarto e porcentagem dos trabalhos... e  tem que pagar a comida no fim do mês também.
M 2 – tem só eu pra limpar tudo isso?
M 3 – as tarefas aqui são divididas. (quase pra si) Menos o lucro.
M 2 – (olhando ao redor) tanta gente!
M 3 – é, mas acho melhor você ir lá pra cima... amanhã veremos o que dá pra fazer.
M 2 – então, tô empregada?
M 3 – vamos ver. Tem que ter a aprovação da Mafi. Sobe, primeiro quarto a esquerda. Cama com lençol verde. Dorme. Tem água e bolacha de sal no quarto. Banheiro no fim do corredor. Toalha na gaveta. Sobe. (M 2, depois de um tempo, sai) parece um bicho acuado. (sorri) Faxina!
M 1 – (entra, elegantemente vestida, na medida do possível. Sêca) querida! Quero ver o caixa.
M 3 – fez boa viagem?
M 1 – um transtorno, uma merda. Como está o movimento? Me dê alguma bebida. Calor, que calor, que calor. Voltar pra esse inferno... me traga os livros, anda. Espere! Onde está o doutor? Como é que não vejo o doutor nas mesas?
M 3 – o doutor não veio ontem, hoje também não.
M 1 – destrataram o doutor na minha ausência? Se ele, sequer reclamar de atendimento, vocês estão ferradas, dou minha palavra que coloco todas na calçada.
M 3 – ele pode ter morrido.
M 1 – cala a boca! Faça o que estou mandando... traz o livro.
M  2 – (aparece na entrada) eu no achei a esquerda, no senhora!
M 3 – de onde saiu esse animal? (ESCURECE)

V

M 2 – (entra aos berros, com uma carta não) Mulher... Mulher?! Que diabos, Mulher, venha ver.
M 1 – (entra pesada, bebendo) Pára de berrar, Mulher... que foi?
M 2 -  escuta, Mulher, a Rita ta voltando...
M 1 – (pra baixo, tira algo do sutiã e cheira) ela conseguiu?
M 2 – não é uma maravilha?
M 1 – uma idiota essa Rita... ta com a faca e o queijo na mão... (tosse) pagou a divida,  tinha mais era que ficar lá, não voltar pra esse inferno.
M 3 – (entra) mulheres, eu ouvi certo? A Rita voltando?
M 2 – ta vendo, ta vendo? Eu não falava?(para M 1) Liga pro homem e vê se ele te leva pro Suriname, também...
M 1 – (cheirando) vagabunda!
M 3 – (pegando a carta) Maravilha!
M 2 – (mostrando na carta) olha quanto ela conseguiu economizar...
M 3 – Nossa Senhora Aparecida, ela foi na Holanda, também...
M 1 – chega de comício pra Rita holandesa ou o caralho, que saco! Tô cansada, virei a noite limpa, não rolou nem um boquete...
M 3  - tu fica cheirando porcaria é nisso que dá.... não se aguenta em pé. Tem de falar na Rita, sim, ela é heroína, minha filha.... ir pra lá, quitar as dividas e ainda voltar com grana é coisa pra mulher de fibra...
M 2 – de fibra e de xoxota de ouro... (riem)
M 1 – xota de ouro! É buraco que nem de toda bosta de piranha nesse mundo.
M 2 – Ih, cala essa boca, infeliz!
M 1 – manda aquela vaca a tua mãe calar a boca, panga...
M 2 – pelo menos mãe eu tenho...
M 1 – cadela, igual você...
M 2 – (vai partir pra cima dela, mas M 3 a segura) Amor... tu fique na tua... não suja as mãos por bobagem.
M 1 – (batendo palmas) amor.... amoreca... vem dá um tapa na minha precheca, vem , amor... (tosse e ri) putas e sapatonas... Cacete, cacete, cacete...
M 3 – (abraçando M 2) Que bom que a Rita ta voltando.
M 2 – não se solta de mim...
M 1 – cadê o beijo, de língua, quero ver... tô precisando gozar... me façam gozar, minhas deusas da calçada... vamos, beija, beija, beija... ai, ai, to sentindo... to sentindo... tô ficando molhada...
M 3 – podemos convidar a Rita pra morar com a gente, longe daqui...
M 2 – Não me solta... me abraça...
M 1 – (arranca M 2 dos braços de M 3 e cospe nos pés dela) e aí, bundona, vai revidar? Vai encarar a puta velha aqui, irmã?
M 2 – mulher, vá dormir...
M 1 – não vou... eu quero ver as duas se rolando nesse chão... (muda de repente, quase chorando) me ensina gozar? Eu quero saber o que é esse negócio de ser mulher... uma vez só... me faz gozar, pelo amor de Deus! Acostumei a mentir... a gemer sem gemer... (Rápida, arranca a carta de M 3) olha o que eu faço com a Rita... (rasgando a carta) a Rita que se foda... vocês todas que se fodam... eu não quero dormir... eu só quero ser mulher.
M 3 – (indo para a frente) Não ia adiantar mostrar cenas de mulheres felizes! Não ia adiantar...

VI


M 1-  (APARECE SENTADA, QUASE QUE TODO ENCOBERTA POR PANOS, SÓ SEU ROSTO É VISISIVEL. É UMA VELHA. A MESMA DO INICIO, MAS MUITO MAIS VELHA E TRANSFIGURADA) 
Ais premera da famia que se foro era no ano de 29... Tudo fartava: do pão a água. Foro se tentar a sobrevivê. U´as, coitadas, se prenharam lá longe tamém, não uma, mais de muitas vez... o tanto de menino que deixaro pra trás foi o tanto que lá pariro. Só minha avó enriqueceu. Deu de tê casa de tolerânça... Começô mulher da vida, e por fadário se fez douna de lupanar. Morreu nos braços de meu pai, seu único legado... Bem ali, pra perto daquele mandacaru donde ficava a casa encanecida. Quis morrer n´onde nasceu. E morreu! Nos braços de painho, seu único espólio... A ele se deu tudo o que dela era. Do memo jeito que veio, foi. Cada tostão, enterrado nesse solo seco, o sonho de painho. Ele queria prantar na rachadura. Colheu foi as doenças da cabeça, se invadiu lá por dento dele e deixo mainha com nóis ao Deus dará. Tudo mulher. Tudo padecente. Sangrando por debaixo das perna uma única vez na vida e nunca outra vez  De debaixo das perna só se vinha ao mundo, menino...  meninos das desditas e da fome eterna.
M 2 – (NUM OUTRO PONTO)
         Foi incrível! O cara parecia um domador, dos calmos, entende? Ele tinha um corpo. Essa coisa de eu ter visto que ele tinha um corpo me subiu à cabeça. Me dominou como um adestrador profissional, pondo pequenos pedaços de ração na minha boca toda vez que eu acertava. Teve uma hora que ele disse: posso entrar em você, agora? Ah! Mas eu até chorei! ´tava me pedindo resposta. E eu disse o que? Não disse, só chorei. E ele fez de mim a p... mulher mais feliz desse mundo. Você pode me perguntar se o meu domador foi generoso, também, no pagamento. Pagamento? Não tive coragem de cobrar. Como é que se cobra o amor?
M 3 – (DIVA. COMO NUMA ENTREVISTA)
         O que posso responder a isso? Sei lá, eu diria que uma boa parte daquilo sou, vem daquilo que desconheço de mim. (a outro) se há alguém nesse universo que possa julgar a minha interpretação, as inflexões que dou, os gestos que faço, fique em silêncio, por favor.  Tenho pavor em ser julgada. O silêncio repensa o julgamento. (a outro, dura) Que tipo de pergunta é esta, meu amor?
M 2 – Não penso na volta. Seria como negar a história da minha família. Quem sabe, quando estiver perto da morte; quando não se puder notar a diferença entre a mulher e o que restar de mim.
M 1 – te afasta pra lá, carcará! (espantado o pássaro) chiii, vai-te embora, chiii...
M 3 – eu compreendo o excesso dos homens, a maioria foi criado por mulheres. (NT) Não querem agora falar do meu espetáculo?
M 1 – vai-te longe com essas garras, bicho... chiii, chiii...
M 2 – o peso do mundo tem em mim sua balança. Não me interessa a postura moral, aliás não interessa porra nenhuma. Fizeram muita cara feia pra mim. Essas mesmas caras ouvi falando em igrejas da falta de humanidade que as pessoas teem em relação a outro ser humano. É lindo! Mas na primeira oportunidade fazem cara feia de novo. (Irônica) de qualquer modo, hoje em dia arranjam um jeito da cara feia ficar nas minhas costas, porque na frente eu sou uma mulher melhor que eles.
M 3 – o olho do outro não pode ser o meu espelho, baby! (a outro) É isso mesmo que você quer saber, repórter de merda? Ta bem, eu digo: dei pra ser atriz do nada, mas já era puta antes. Pra mim foi fácil, as duas profissões me levam a digerir o ser humano: numa eu reinvento, na outra regurgito. Sim, eu mataria pela liberdade.
M 2 – se eu agacho pra urinar, fico morrendo de medo de não levantar mais. (rindo) Eu adoro ser mulher!
M 2 e 3 continuam falando, cada vez mais alto e forte.
M 1 – Senhor! Carrega comigo daqui. Não agüento mais os ossos. Traz as ave de rapina, consome comigo, Senhor! Dê de mim aos carcarás... Mas salve minha alma. Senhor! (tempo enorme) que mistura se deu no mundo, pra tanta dor?


                                                                                              F I M

Nenhum comentário:

Quem sou eu

Minha foto
ribeirão preto, são paulo, Brazil
CELULAR - 16 9147 9958 DRT 18 886 SP
Powered By Blogger