AS DORMINHOCAS
Por Ademir Esteves
Personagens:
Tio Branco velhinho, dono da casa de bonecas.
Pérola boneca de porcelana, vestida como dama antiga.
Paninho boneca de pano, feita de retalhos.
Palhaço marionete, vive dentro da caixa colorida. Inacabado, ainda não tem rosto.
Laura garota que adora visitar a casa de bonecas.
Bruxa boneca bruxa, calça um sapato só.
Mágico homem de cartola.
Malhado boneco de mão. O gato da vizinha.
Cenário: casa de bonecas.
Apresentação:
LAURA
Olá, meu nome é Laura. E esse aqui atrás... Ah! Vocês não estão vendo, mas é o Tio Pedro. Ele está dormindo ainda. Bem, o tio Pedro nunca se casou e não teve filhos. Mas adora crianças e brinquedos. Sua avó lhe deixou como herança esses duas dorminhocas. (APONTA AS DORMINHOCAS SOBRE O BALCÃO) Elas estão aí há muito, muito tempo. As crianças que vinham ouvir as histórias de tio Branco adoravam brincar com as bonecas. Geralmente, eram meninos e meninas que não podiam ter um brinquedo. (PENSATIVA) Se todas as crianças pudessem ter um brinquedo, não é? Tudo seria bem melhor... Por isso, um dia Tio Branco teve a idéia de construir essa casa de bonecas, pra todos virem e brincarem até cansar. O que ele não sabe é quando chega o silêncio da noite, alguns desses bonecos acordam. Então, nos bonecos que despertam, pode pulsar um coração com defeitos e qualidades, como os de seres humanos. Vou contar isso tudo direitinho pra vocês...
1 CENA
Silêncio. Ouvimos um despertador e a mão de tio Branco aparece detrás da prateleira desligando o relógio. O tic-tac se transforma numa música. De repente Pérola e Paninho (que está com um pé calçado e outro descalço), entram correndo para os seus lugares.
PÉROLA
Nossa, Paninho, eu nem percebi que tinha amanhecido...
PANINHO
Nem eu, nem eu, Pérola. Ainda bem que o ti Branco não se levantou antes da hora.
PÉROLA
É, acho que está com preguiça de acordar. Parece essas duas dorminhocas aí, que nunca acordam pra nada...
(LEVANTAM O CORPO E OLHAM ATRÁS DA PRATELEIRA, TRIANGULAM)
PANINHO
ufa! ainda dormindo!
PÉROLA
Melhor assim... já pensou se ele acorda e percebe que não estávamos?
PANINHO
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Perdi um sapato, Pérola, e agora?
PÉROLA
Perdeu mesmo? (disfarçando) pobrezinha! (sobe para ver se o tio ainda dorme) Vamos procurar...
Cantam:
Psiu, psiu, não digam pra ele, não assutem o tio. (refrão, bis)
O sapato da Paninho sumiu
Onde foi parar o sapato?
Saímos de noite pra uma voltinha
Brincamos com o gato
O malhado da vizinha. (refrão, bis)
Fomos na praça, brincamos no canil
Subimos no telhado
Espiamos as estrelas e a luz foi gentil
Quando falou: que bonecas lindas
Que gato malhado brincalhão
Que noite linda pra um escorregão
No ipê do quintal... (refrão, bis)
Mas qual lugar o sapato se perdeu?
Na rua, no campo ou no roseiral?
Agora não dá mais pra procurar
Já é dia e o tio Branco vai acordar
Ele acha que somos bonecas – e somos –
E não sabemos andar. (refrão, bis)
(VOLTAM PROS LUGARES)
TIO (DESPERTANDO)
Ô, ô! Dormi demais da conta, o sol vai alto. Bem que eu poderia ficar na cama o dia todo, hoje não tenho muito que fazer. Ah, sim! Devo terminar a marionete do circo... epa! O que é isso? Minha Paninho está com um sapato só?
PÉROLA
Descobriu!
TIO
Eu que não tinha nada pra fazer, agora terei que conseguir um sapatinho pra ela. Mas por que a janela está aberta? Há algo muito esquisito acontecendo nesta casa. Hum, hum...
PÉROLA
Esquecemos a janela aberta, Paninho.
PANINHO
Culpa sua,quis ficar brincando a noite inteira e perdemos a hora de voltar.
PÉROLA
Oras, eu sou uma dama antiga, tá?
PANINHO
Grande coisa!
PÉROLA
Grande coisa? Você deveria se orgulhar de mim. Afinal, eu tão nobre, linda, chique poderia ter feito de você minha serva e não o fiz...
TIO
O portão, também aberto... E há pegadas por toda a parte.
PANINHO
Uma hora ou outra isso iria acontecer!
PÉROLA
Ah! Ele nunca desconfiará que ao anoitecer, nós e os outros bonecos saímos pra passear.
TIO
Desconfio que meus bonecos sejam mais espertos do que imagino. Quem poderia imaginar que durante a noite eles saem e vão brincar lá fora? (Rindo) Como se isso fosse possível! Bonecos só tomam vida na imaginação das crianças... (Puxa Paninho para cima) Muito enigmática a perda do sapatinho, Paninho! Tenho certeza: ontem à noite você estava calçadinha.
PÉROLA
Não se mexa, Paninho. Mantenha a calma.
TIO
De qualquer forma devo ir à cidade para comprar novos sapatos. Que coisa! Que coisa! (recoloca Paninho no lugar. Vai para o fundo)
PANINHO
Meu coraçãozinho vai explodir, tá disparado como um cavalo de corrida.
PÉROLA
Para com esses não me toques, salamaleques... Às vezes você é muito chata, Paninho. Agora vai ganhar sapatos novos. Hum! Aposto que o tio Branco comprará um daqueles de plásticos bem feiinhos.
PANINHO
Desculpe, eu não queria ser chata, tava apenas com medo do tio descobrir que perdi o sapato quando saímos de cas... Ele tá voltando.
TIO (CANTA)
Pegar minha maleta de ferramentas e colocar meu sobretudo de passeio
É bom sair de casa com asseio e nunca caminhar com desalinho
Eu vou lá na lojinha comprar um sapatinho branco pra Paninho
Também preciso ir buscar pincel e tinta, muita tinta colorida.
E logo, logo, quando retornar, termino de criar a marionete,
(mostra a marionete e a coloca dentro da caixa)
Que o circo veio encomendar.
Só falta um rosto engraçado no boneco e eu já sei como pintar... (sai)
PANINHO
Essa foi por pouco...
PÉROLA
Você é mesmo uma desastrada, que é que tinha que tirar o sapato do pé?
PANINHO
Não reclame, quem teve a idéia de subir no telhado com o Gatão Malhado da vizinha foi você.
PÉROLA
Óbvio, minha filha, eu é quem devo ter idéias e comandar. Não sou feita de trapos como você. E chega de me amolar, tenho sono e necessito tirar uma boa soneca antes do meu encontro.
PANINHO
Encontro? Que encontro?
PÉROLA
Hum, não sei se devo contar...
PANINHO
Somos amigas ou o quê?
PÉROLA
Amigas? E eu lá faço amizade com bonecas de pano? No máximo convivo com você porque não tem outro jeito. Mas fique sabendo que para mim é como se fosse uma... uma espécie de dama de companhia, criada de quarto, coisa parecida.
PANINHO
Quanta crueldade! Sou uma boneca igual a você.
PÉROLA
Sei. Então por que se chama paninho e eu Pérola? Han? Porque há uma grande diferença entre nós duas. E é claro, eu sou mais bonita, feita de louça pura, vestido de seda, cabelos brilhantes...
PANINHO
É! Eu sou feita de restos, né? Sobras de tecido, cabelo de trança de retalhos velhos, olhos desenhados com caneta colorida...
PÉROLA
Mas não fique aborrecida, querida, tenho um coração enorme e te considero uma ótima confidente. Por isso vou contar com quem é o meu encontro de hoje à noite...
PANINHO
Que bom, me fala, me fala...
PÉROLA
Promete não contar pra mais ninguém?
PANINHO
Claro!
PÉROLA
Meu encontro é com a boneca Bruxa!
PANINHO (susto)
Não!? Você não pode...
PÉROLA
Quieta, fale baixe, seu monte de trapinhos....
PANINHO
Por que se encontrar com a bruxa?
PÉROLA (CANTA)
A boneca bruxa vai me transformar numa menina de verdade
Vou deixar de ser boneca pra ser uma beldade
Do mundo dos humanos serei a mais bonita
Serei uma princesa com coroa de rubis
E quando eu chegar à porta do castelo o povo irá gritar:
Viva Pérola, nossa princesa. Tem na cabeça coroa de rubis
E eu muito simpática fazendo mil trejeitos
Com a mãozinha de miss, mandarei mil beijinhos.
E eles pedirão bis.
PANINHO
Não deve acreditar naquela bruxa, Pérola. Aposto que ela pediu alguma coisa em troca.
PÉROLA
Hum, hum... O que ela pediu em troca não foi nada difícil de encontrar.
PANINHO
O que ela pediu?
PÉROLA
Já tá querendo saber muito...
LAURA (entrando) Tio Branco? O senhor está em casa? Bom dia! Tio Branco...
PÉROLA
Ih! Lá vem essa menina chata.
PANINHO
A Laura não é chata, não...
LAURA
As minhas bonecas prediletas: Pérola e Paninho... Paninho cadê seu sapato, lindinha? Assim irá pegar um resfriado...
PÉROLA (imitando-a com desdém)
Assim irá pegar um resfriado.
PALHAÇO (salta da caixa)
Surpresa!
LAURA
Que susto!
PALHAÇO
Não se espante.
LAURA
Está sem olhos...
PALHAÇO
Mas eu te vejo...
LAURA
E não tem nariz...
PALHAÇO
Mas eu respiro.
LAURA
E você fala!?
PALHAÇO
E tô sem boca!
LAURA
Pode me ouvir?
PALHAÇO
Sem as orelhas.
LAURA
Como te chamam?
PALHAÇO
Não tenho nome
LAURA
É um palhaço!
PALHAÇO
De mola, corda e madeira.
LAURA
Dança pra mim
PALHAÇO
Ainda não sei...
LAURA
Então te ensino.
PALHAÇO
Melhor pra mim.
LAURA
Por que diz isso?
PALHAÇO
Vou para o circo.
LAURA
E o que é que tem?
PALHAÇO
Chego lá sabendo dançar.
LAURA
Então depois você conta...
PALHAÇO
Ah, não sei somar.
LAURA
Você conta que fui eu...
PALHAÇO
Foi você?
LAURA
Fui eu sim.
PALHAÇO
Você o que?
LAURA
Quem te ensinou a dançar...
PALHAÇO
Pois não demore.
LAURA
Vem para cá.
PALHAÇO (pula da caixa)
Olá, olá...
LAURA
Eu danço aqui.
PALHAÇO
Eu acolá?
LAURA
Pérola, venha dançar.
PALHAÇO
E essa outra?
LAURA
Tá sem sapato, não dá...
PALHAÇO
De pé no chão pode ficar.
LAURA
Idéia legal, Paninho vem...
PALHAÇO
Belos pezinhos, hen?
LAURA
Palhaço bobo, não fale assim...
PALHAÇO
Que é que tem? Não é ruim.
LAURA
Vocês não querem?
PALHAÇO
Estão caladas
LAURA
Vamos, bonecas, de pé...
PALHAÇO
É tem que ter fé
LAURA
Mas se não querem...
PANINHO
Estou prontinha.
PÉROLA
O que dançaremos, um minueto?
PALHAÇO
O que ela quer, grande concerto?
LAURA
Não, não, não... Iremos dançar...
PALHAÇO
Uma valsa rodada?
LAURA
Nós dançaremos o que quisermos (CANÇÂO E DANÇA)
Um passo pra frente, três para o lado e volta um passo pra trás.
Caminha dois pro outro lado, agora rodamos, rodamos
De novo o mesmo compasso, dançando me sinto feliz.
E canto no meio da sala, na casa de bonecas.
Eu rodo, eu rodo, assim que se faz.
PÉROLA
Chega! Cheguei à exaustão, cansei, cansei!
PANINHO
Ah, vamos mais uma vez?
PÉROLA
Dancem vocês, vou descansar.
(DANÇAM NOVAMENTE, AGORA OS TRÊS)
PALHAÇO
Ui, agora quem cansou fui eu. Volto pra caixa, até mais.
LAURA
Restamos nós duas, Paninho!
PANINHO
Tô pronta!
(DANÇAM NOVAMENTE, AGORA AS DUAS)
LAURA
Tive uma idéia!
PANINHO
Você tem ótimas idéias, Laura.
LAURA
Levarei você pra passear comigo na lagoa, quer?
PANINHO
Mas, Laura... Por que não escolhe a Pérola?
LAURA
Ela não tem nenhuma graça. Eu gosto mais de você...
PANINHO
Ela é tão linda!
LAURA
Tá certo, ela é linda, sim. Feita de louça e usa essas roupas deslumbrantes. Mas se ela fosse minha ficaria enfeitando a estante do meu quarto. Agora, com você é diferente. Você é bonita, tem todas as cores e posso levá-la pra todo canto, sem medo de quebrar.
PANINHO
Achei que ninguém gostasse de mim...
LAURA
Deixa disso, Paninho, por favor, vamos? Eu deixo um recado pra o tio Branco dizendo que a levei pra passear, ele não ficará bravo, acredite em mim... (Escrevendo) Tio Branco, levei Paninho pra passear comigo ao lago, depois a levarei para minha casa.. Beijos, beijos, beijos... (Puxa Paninho para fora) vem...
PANINHO (saindo)
Vou sujar os pés...
LAURA (saindo)
Depois dou banho em você...
PANINHO (sai)
Ai, ai, ai... Que doidura!
PÉROLA (QUE FINGIA DORMIR)
Que menina mais importuna!
PALHAÇO
Gostei dela.
PÉROLA
Humpt! Quando for uma princesa mandarei Laura embora do meu reino.
PALHAÇO
Acho melhor ser boneco.
PÉROLA
Perguntei alguma coisa, Palhaço sem rosto?
PALHAÇO
Não tá mais aqui quem falou.
PÉROLA
Ainda bem que a boneca de trapos foi com ela... assim não ouvirá minha conversa com a Bruxa.
PALHAÇO
A bruxa virá aqui???
PÉROLA
Estou ansiosa pra falar com ela... (tira um sapatinho do bolso) Ela me pediu um dos sapatos da Paninho, a tontinha nem percebeu que fui eu quem pegou o sapato dela. A Bruxa disse que o sapato de uma boneca de panos é tudo que precisa pra me transformar em gente.
PALHAÇO
E você acreditou? Mas que coisa feia, hen? Roubou o sapato da Paninho.
PÉROLA
Peguei emprestado, só isso... Depois devolvo.
PALHAÇO
E o que a Bruxa vai fazer com ele?
PÉROLA
Não sei exatamente o que ela fará. Sei que quando eu der o sapato a ela deixarei de ser boneca pra ser uma linda princesa.
PALHAÇO
Você acredita mesmo nela?
PÉROLA
É uma Bruxa muito famosa.
PALHAÇO
Sei não, Pérola, cuidado pra ela não te enganar! Você é tão linda assim como é, pra que querer mudar?
PÉROLA
Mais linda serei quando for humana.
PALHAÇO
Pena que tenha que ser assim. Eu gostaria de ser seu namorado.
PÉROLA
Nem pensar, com essa cara de nada, nem em sonho. Talvez você possa ser o bobo da minha corte.
PALHAÇO (TRISTE)
É, um bobo da corte ainda sem rosto e sem guizos. Tá ficando tarde, onde será que tio Branco se meteu?
PÉROLA
Sei lá.
PALHAÇO
Bem, Pérola, mais uma vez por favor, não confie demais na Bruxa! (some na caixa)
BRUXA (SURGE DE REPENTE COM A MÚSICA, CANTA)
Cheguei, chegando, chegando , cheguei.
O sapatinho vim buscar.
Já era tempo de colocar
No pé descalço outro sapato
E com os dois formar um par...
PÉROLA
Já veio? Não é a hora combinada...
BRUXA
Se não quer me ver, vou embora... (saindo)
PÉROLA
Não, desculpe, pode ficar.
BRUXA
Mesmo? Não gosto de quem me trata mal, ouviu bem? Estou aqui para lhe fazer um favor, portanto seja boazinha.
PÉROLA
Eu sei, eu sei... podemos começar o feitiço?
BRUXA
Talvez. Tem o que pedi?
PÉROLA
Claro, aqui está o sapat...
BRUXA
Oh, que maravilha... Digo, perfeito para o que preciso.
PÉROLA
Peguei emprestado da Paninho, sem que ela soubesse, depois preciso devolver.
BRUXA
(Alto) devolver? (controlando-se)claro, claro, no mesmo instante em que seja transformada numa linda princesa, restituiremos para a boneca de trapos...
PÉROLA
Promete?
BRUXA
Não. Não faço promessas. Sou uma Bruxa, o que tá pensando?
PÉROLA
Mas...
BRUXA
Escuta aqui: quer ou não deixar essa vidinha de boneca de louça e ir morar num castelo enorme, com séqüito maior ainda de vassalos?
PÉROLA
Faço qualquer coisa pra conseguir.
BRUXA
Hum, pois bem... Me dê o sapato.
MALHADO (ENTRA E FICA OUVINDO A CONVERSA)
Meau! Estranho, muito estranho...
PÉROLA
Tome.
BRUXA (EUFORICA TOMA O SAPATO DAS MÃOS DE PÉROLA)
Até que enfim. Fique ali, meu bem. Concentre-se... Quando eu calçar este sapato, você deixará de ser uma boneca...
PÉROLA
Estou tão feliz! (no local determinado, concentra-se) quero um vestido florido e bordado de ouro, e lógico, uma coroa de rubis...
BRUXA (sentand0-se para calçar o sapato)
Você terá, você terá...
MALHADO
Meau, meau... sinto cheiro de tramóia no ar.
MÁGICO (entra poderosamente)
Gratum zá lá ka bim!
PEROLA E BRUXA ESCONDEM-SE RAPIDAMENTE.
MALHADO
Brrrr, o que o homem de cartolas faz aqui?
MÁGICO
Boa noite, gato. Sou o Mágico do circo. Vim buscar uma encomenda feita ao Senhor Tio Branco. Ele está?
MALHADO
Acho que não. Mas o senhor apareceu bem na hora.
MÁGICO
Hora do que?
MALHADO
Eu disse hora?
MÁGICO
Disse, oras.
MALHADO
Não disse não.
MÁGICO
Se não disse fica o dito pelo não dito.
MALHADO
Mas o que foi que eu disse?
MÁGICO
Mas será o Benedito? Frazam... (aparece um lenço em sua mão) Essa confusão de palavras me deu calor... (enxuga o suor) Gato, onde será que o senhor Tio Branco deixou a encomenda do circo?
MALHADO
Que circo?
MÁGICO
Você está bem, bichano?
MALHADO
O circo encomendou o que?
MÁGICO
Uma marionete para o numero dos palhaços...
MALHADO
Eu não sei de nada.
MÁGICO
Que coisa! Espero ou vou-me embora? Padam... (aparece uma lâmpada em sua mão) tive uma idéia, vou me sentar e esperar por ele.
BRUXA
Não!
MAGICO
Disse alguma coisa, felino?
MALHADO
Quem disse?
PÉROLA
Manda ele embora, Malhado...
MÁGICO
O que? Você quer que eu vá embora, gatuno?
MALHADO
Quem, eu?
MÁGICO
Gostaria de alguns números com baralho, Malhado?
MALHADO
sim
BRUXA E PÉROLA
Não.
MÁGICO
Sim ou não?
MALHADO
Sim.
BRUXA E PÉROLA
Não.
MÁGICO
Você é maluco ou que, gato? Quer saber, farei uma mágica: te transformar num ratinho feio...
MALHADO
Por que?
MÁGICO
Está brincando comigo, não está? Querendo me fazer de pateta?
MALHADO
Sabe o que é? Desconfio que uma bruxa está querendo enganar umas das bonecas do tio Branco...
BRUXA
Eu pego esse gato...
PÉROLA
Não ligue pra ele, Bruxa, é inveja.
MÁGICO
Não sei do que está falando, Malhado, não sei mesmo.
BRUXA
Quer saber Pérola, vou calçar o sapato agora mesmo... (calça)
PEROLA (olhando-se) nada aconteceu comigo, continuo boneca...
BRUXA (ri)
Mas eu tenho um sapato novo, é o que interessa.
PEROLA
Você me enganou?
BRUXA
Não, você será uma linda princesa... só que de louça e para sempre... (ri, faz um feitiço e sai correndo de cena)
PEROLA
Malhado, socorro, estou virando... (vira estátua)
MÁGICO
Que vento foi esse?
MALHADO
A Pérola virou estátua.
MÁGICO
O que?
MALHADO
Ajude ela, Mágico.
MÁGICO
Ajudar a quem, gato? Você não está muito bem da cuca mesmo...
MALHADO
Olhe o que a bruxa fez com ela...
MÁGICO
Fez o que? É uma boneca.
MALHADO
Virou estátua, não pode mais se mover, não anda, não fala mais...
MÁGICO
Entrei numa casa de malucos, isso sim. Isto é uma boneca e bonecas, são bonecas. Não tem magia no mundo que faça uma boneca se movimentar e falar como a gente. Eu sou Mágico, mas não faço milagres, vou embora, retorno amanhã. Casa de malucos... (SAI)
MALHADO
Ai, brrrrrrrrrrrr, Pérola queria tanto ser princesa... Acabou virando uma estátua dura e sem vida... não serve mais pra nada, nem pra brincar... meauuu! Adeus, Pérola... (CANTA)
Ela sonhou, queria ser gente e numa bruxa ela confiou
E a bruxa malvada, queria era mesmo
Ganhar um sapato de graça adeus, amiga adeus
Não vamos mais brincar no telhado
Adeus, minha Pérola-deus... (sai)
ENTRA TIO BRANCO
TIO
Caminhei o dia todo na cidade, dorminhocas... Que é isso? Um recado da menina Laura... (rindo) oh, levou a Paninho pra passar a noite em sua casa. Amanhã vou lá e lhe dou os sapatinhos novos que comprei para a boneca. E querem saber, dorminhocas? Deixarei a Paninho com ela, elas se dão muito bem... (pega o Palhaço na caixa pra pintar e começa o trabalho) e você aí, hen. Pérola? O que há com você, parece mais uma estátua de bronze do que uma boneca de louça... (sorrindo) Estou ficando gagá, falando como uma maritaca com uma boneca. Como está bonita minha casa de bonecas... Logo,logo chamarei todas as crianças da redondeza para virem brincar aqui... Pronto, terminei a marionete... Fique aí na caixa, Palhacinho, pela manhã a pintura estará sequinha e levarei você pra sua nova casa, um lindo circo... que saudade de quando eu era pequeno, dorminhocas. Eu cresci e vocês continuaram dormindo, sempre com essas carinhas de neném... Bem, tomarei um bom banho e cama, pra descansar este velho e cansado corpo... (sai)
ENTRAM PANINHO E LAURA.
PANINHO
Era verdade, então? O malhado falou a verdade, Laura... a Bruxa a transformou em estátua.
LAURA
Foi no que deu essa história da Pérola. Se aceitasse que era uma boneca, feita com tanto carinho pelo tio Branco, tantas crianças poderiam ter sido felizes brincando com ela.
PANINHO
Sempre sonhou ser princesa de verdade... Foi logo acreditando na conversa daquela bruxa feia...
LAURA
É. Vamos pra casa, Paninho. A Pérola não pode mais ouvir a gente.
PANINHO
Continuarei amando Pérola como uma grande amiga, mesmo que nunca mais fale comigo. (Beija Pérola) Virei todos os dias ver você, viu, minha amiga? E contarei histórias da vida lá fora pra te fazer feliz... (sai com Laura)
PALHAÇO
(surge da caixa)Tóimmmmmmm! Como to bonitão, hum, eu tenho uma cara engraçada... faço caretas... bááááaaaaaa.... pulo da cixa.... e vamos brincar, Pérola? Pérola? O que fizeram com você... Pérola... foi a bruxa, não foi? Pérola... (Canta)
Olhe meu rosto, eu tenho boca
Os lábios falam que gosto de ti
Tenho orelhas e queria ouvir
Tudo o que dirias pra mim
Perola não está mais aqui
Deixou-me sozinho, não sei mais sorrir
Eu tenho meus olhos, mas como te olhar
Se com esses meus olhos só posso chorar
9LIMPA UMA LÁGRIMA E ATIRA LONGE. A LÁGRIMA CAI EM PÉROLA, QUE DESPERTA)
PÉROLA
Palhaço, como você ficou bonito.
PALHAÇO
Você voltou?
PÉROLA
Como voltei? Eu nunca fui... (os dois riem e dança de felicidade)
LAURA
... e foi assim, com uma lágrima de amor derramada pelo Palhaço, que Pérola voltou a viver como uma boneca e teve uma segunda chance. Dizem que ela e a marionete, digo, o Palhaço, foram viver no circo. Ela é uma linda e talentosa bailarina, que usa uma tiara de rubis. Ele, um palhaço que diverte todas as pessoas com suas piruetas. Ah, e a boneca Bruxa? O sapato que era da Paninho ficou tão apertado em seu pé que lhe nasceu um calo desse tamanho no dedão. A casa de bonecas do tio Branco está cada dia mais colorida. E tudo começou com as duas dorminhocas. Essas só sabem mesmo é dormir. Muitas pessoas entram aqui, até gente grande, que volta a ser criança como nós, quando reencontram nas prateleiras a fantasia que perderam um dia. Tá tudo guardado aqui nesta casa: alegria, sonhos, amor... Tudo o que o mundo não pode perder. Só com essas coisas podemos acreditar na felicidade e na paz. Um beijo, até mais.
MÚSICA. DANÇA FINAL.
Fim
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