Crítica (Jornalista: Djalma Batigalhia)
Opinião - Publicado na edição de 15 e 16 Junho - Jornal Tribuna - Ribeirão Preto - pag 02Madame Blavatsky
por Djalma Batigalhia
Não é o melhor espetáculo de todos os tempos. É bem mais do que isso: é o melhor de uma geração de atores espetaculares em busca do autoconhecimento. Como montagem teatral, Madame Blavatsky, teria de dividir a "pole position" com outros clássicos de Plínio Marcos. A montagem, entretanto, é uma das poucas expressões bem-sucedidas do que é e do que pode ser uma arte coletiva. Não tem atrás de si um gênio solitário e poderoso. É o resultado de uma convergência de um grande sonho, numa época onde os grandes sonhos não estão sendo devidamente sonhados. Parte da nossa bela juventude, vive ainda num vetor ou numa poesia alienante, julgando que tudo ou é passado ou é futuro. Blavatsky, sempre viveu, corajosamente, seu presente.
Sem procuração para defender ou elogiar o diretor Ademir Esteves e a equipe de atores da peça, acredito que Madame Blavatsky é bem mais que a soma de um produtor iluminado, um elenco profissional e um propósito determinado. É, acima de tudo, uma idéia que só pode nascer no teatro e para o teatro. Os jovens atores não parecem estar apenas trabalhando ou interpretando, mas se divertindo.
A apresentação da peça está se deslocando de Ribeirão Preto para uma turnê que vai percorrer o interior de São Paulo e algumas capitais brasileiras. Aqui foi um sucesso, lá fora será ainda mais.
Os símbolos verbais reinantes no espetáculo encontraram cumplicidade na eliminação da vaidade dos próprios atores. O elenco, oito mulheres e seis homens, se submeteu à máquina elétrica para raspar o cabelo e todos atuam totalmente carecas. Para eles o amor pela arte justifica o corte radical. “Nada foi imposto, o grupo tomou esta decisão em conjunto e está valendo a pena”. Cortou quem quis, chorou quem teve vontade, sem o apelo de emoções programadas.
Mudaram-se os pigmentos da pele, os fios jovens de cabelos se foram, mudaram-se a língua e a linguagem. A montagem de Madame Blavatsky consumiu perto de um ano de pesquisa e ensaios diários. Tudo já foi falado, e a fala ganhou um sentido a mais: tem cheiro, gosto, textura e som. A peça acontece dentro de um espelho d’água - o grupo fica 1h30 dentro da água.
A personagem, independente de ser boa ou má, ótima ou péssima, é desenhada através de cenas e diálogos que não necessariamente representam a história biográfica de Helena Blavatsky e sim o autoconhecimento e a busca da espiritualidade pelo homem comum.
O pretexto de Plínio Marcos era mostrar o momento da verdade no teatro quando, além da palavra, ele foi obrigado a incorporar a imagem. E raríssimas vezes o teatro de Plínio Marcos reuniu as duas coisas de forma tão simples e encantadora.
Os textos de Plínio Marcos nasceram da necessidade de absorver uma espécie de luxo e de lixo do nosso cotidiano: a cultura em suas diversas expressões e as fofocas em suas múltiplas manifestações. Em Madame Blavatsky, o autor desdenhou o lixo e optou pelo luxo.
Sem sectarismo, pluralista, Plínio se destaca como referência nas artes e movimentos mais importantes da nossa geléia cultural. O autor não pesquisou a saga da mística russa que foi a fundadora da Sociedade Teosófica (1875) e travou polêmica com o darwinismo sobre a "ascendência" do homem - se animal ou espiritual. Como sempre, não hesitou em misturar os registros da vida e da ficção. O texto acabou trazendo à tona uma visão da personagem muito pessoal. Com a desonrosa exceção de um certo cronista que nesse espaço e momento escreve, os leitores de Plínio Marcos formam um primeiríssimo time da arte e da literatura brasileira.
Quanto mais a vida moderna se massifica, maior a necessidade de difundir os valores culturais. Madame Blavatsky é uma contribuição singular para nossa cultura. Por isso, é preciso saudá-la com muitos fogos, como se usa fazer nos jogos de nossa seleção. A ficha técnica e informações variadas você encontrará no sitio www.flogao.com.br/madameblavatsky. Não lembro quem me indicou, talvez uma amiga, um vizinho, talvez a lembrança confusa de primeiras leituras. O fato é que Madame Blavatsky é uma obra de arte coletiva em que até o mais longínquo e obscuro espectador, com grau menor ou maior de modéstia, tem a certeza de que dela participou.
Se pudesse, a exemplo de André Mendes, Anne Pelucci, Douglas Faria, Emmanuel Barbosa, Fernanda Pacheco, Flávia Pacheco, Giba Freitas, Josy Souza, Leka Brandão, Lindsay Ariev, Marcelo Moda, Natalia Coutinho, Silvana Guerra e Vinicius Ávila, também rasparia o cabelo e mudaria meu rosto. Rosto que me acompanhou embora eu nunca tenha tentado o reencontro agora impossível. Rosto que me caiu aos pés de ideais rasgados, mas não esquecidos. Rosto que incertamente me acusa e, certamente, ainda me condena. Um rosto que não existe mais.
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